Teste em animais: pesquisadores e ativistas discordam em questões éticas da ciência.
18.out.2013 - Cães da raça beagle são retirados por manifestantes de laboratório do Instituto Royal
Em 18 de outubro deste ano, o Instituto Royal em São Roque (SP), que
realizava testes científicos em animais, foi invadido por cerca de 40
ativistas que libertaram cães da raça beagle e alguns coelhos. Menos de
um mês depois, o local foi novamente invadido e, dessa vez, camundongos
foram retirados. O instituto encerrou suas atividades, e o episódio
reascendeu a discussão do uso de animais em testes científicos.
Direto ao ponto:
O principal objetivo dos testes em animais é encontrar soluções para o
tratamento efetivo ou preventivo de determinadas doenças. No entanto, a
situação gera um conflito ético, ponto central da polêmica que divide os
ativistas e os cientistas: os testes ajudam a prevenir e salvar seres
humanos, mas, em alguns casos, expõem os animais ao sofrimento,
submetendo-os a procedimentos dolorosos que podem levar até a morte.
Será essa a única forma de testar remédios, produtos químicos e
cosméticos para humanos? As respostas sobre o tema dividem até mesmo os
cientistas.
No Brasil quem
regulamenta esses locais e o uso de animais em experimentos são o Concea
(Conselho Nacional de Experimentação Animal) e as Ceuas (Comissões de
Ética no Uso de Animais), criados pela Lei Arouca, de 2008. Cabe a eles
acompanhar e garantir que os procedimentos usados nesses testes sejam
éticos e legais. No entanto, o país ainda necessita de normas mais
precisas.
Diversos tipos de
animais são usados nas pesquisas, como camundongos, ratos, cães,
ovelhas, peixes, gambás, tatus, pombas, primatas, codornas, equinos,
entre outros. De acordo com os protocolos internacionais, as novas
moléculas devem ser testadas em dois roedores e um terceiro animal não
roedor para que as pesquisas obtenham validação.
Segundo a Coligação Europeia para o Fim das Experiências em Animais,
por ano cerca de 115 milhões de animais são usados em pesquisa em todo o
mundo, sendo 12 milhões só na Europa. A ONG Pessoas pelo Tratamento
Ético dos Animais (PeTA) estima que, desse total, três milhões morrem
por ano. Os números são estimados, mas as organizações acreditam que
eles sejam ainda maiores.
Para os
ativistas do direito animal, os testes com animais, além de submeterem
os bichos ao sofrimento, não trazem resultados precisos. Um caso famoso é
o da talidomida, remédio vendido para grávidas que causou a deformação
de fetos em várias mulheres nos anos 1950. Era usado como sedativo para
aliviar as náuseas das mulheres grávidas. Em todo o mundo, estima-se que
entre 10 mil e 20 mil bebês nasceram sem pedaços dos braços ou pernas,
ou com as mãos ou pés diretamente colados ao tronco. O remédio foi
testado antes em animais.
Por outro
lado, não faltam exemplos bem sucedidos. Louis Pasteur (1827-1895) foi
um dos que mais contribuiu para a validação de métodos científicos com
testes em animais; Carlos Chagas (1878-1934) fez experiências com saguis
e insetos em seus estudos sobre a malária e na descoberta da doença de
Chagas; a vacina contra a poliomielite foi descoberta por Albert Sabin
(1906-1993) após testes feitos em dezenas de macacos.
Segundo o Concea, os modelos animais ainda servem para dar pistas de
como o organismo pode reagir com novos medicamentos. Por enquanto, as
pesquisas com animais são necessárias porque não podem ser substituídas
em todos os casos, e exatamente por isso, deve-se aumentar a
regulamentação da prática, para evitar ao máximo o sofrimento dos
animais.
Debates éticos
Os debates éticos sobre o uso de animais em testes ganharam força a
partir da década de 1970, quando as primeiras comissões de ética para
tratar do tema foram criadas. Um pouco antes, em 1959, dois cientistas
ingleses tornaram-se pioneiros em alertar para as condições e
tratamentos dados aos animais em testes científicos e de cosméticos.
William Russel e Rex Burch criaram os "3 Rs da experimentação animal":
redução, refinamento e replacement (em português, substituição). A ideia
da dupla era reduzir ao máximo o número de testes, amenizar a dor e
substituir os animais sempre que possível.
O filósofo Peter Singer é outro nome fortemente ligado ao movimento de
defesa dos animais, com o livro Libertação Animal (1975). No livro, ele
argumenta contra o que chama de "especismo", uma forma de discriminação
de uma dada espécie, e colocaria os animais abaixo do homem. Para ele,
alguns animais chegam ao nível de sofrimento e dor equivalente ao dos
humanos e, por isso, mereceriam uma consideração moral. O uso de animais
em experimentos seria permitido apenas se o bem alcançado for maior do
que a dor causada aos bichos.
Testes para cosméticos
O uso de animais para testes de cosméticos também incomoda ativistas,
os cientistas também acreditam que tal procedimento não seja mais
necessário. Na União Europeia, tanto a realização desses testes quanto a
venda de qualquer produto que tenha sido testado em um animal são
proibidos. Esse tipo de teste também é proibido em países como Israel e
Índia.
Mas as leis são diferentes
para cada país. Na China, por exemplo, não se vendem produtos cosméticos
que não tenham sido testados em animais. Os chineses acreditam que essa
é a forma mais segura de testar produtos antes do uso por parte dos
homens.
No Brasil, não há
impedimento para o uso de animais em testes de produtos cosméticos.
Apenas os componentes de higiene usados em absorventes devem,
obrigatoriamente, passar pelo teste em animais segundo a Anvisa. A SBPC
(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que defende o uso de
animais em pesquisas científicas, pede a interrupção desses testes no
caso de cosméticos. "O uso de animais para testes cosméticos é menos
essencial e metodologias alternativas validadas podem substituir o uso
de animais para esse fim", diz o grupo.
No lugar de animas, para testes de cosméticos os especialistas
recomendam uso de tecido humano descartado em cirurgias plásticas. Para
testes científicos, uma alternativa para evitar o uso de animais seria
substituí-los por células-tronco, que, reproduzindo determinados órgãos,
podem apresentar resultados muito mais próximos da realidade para os
homens.
Pesquisadores ainda
sugerem que testes com animais poderiam ser substituídos por simulações
computacionais e bioinformática, tecnologia de DNA recombinante e
nanotecnologia. No entanto, cada uma dessas possibilidades exige novos
investimentos públicos e dos grandes laboratórios.
Bibliografia
Libertação Animal, Peter Singer
Lei Arouca
Experimentação animal: ética e legislação brasileira
Experimentação animal: o debate na universidade e nos laboratórios de pesquisa, artigo de Michele Gonçalves
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